
Criado para agilizar compras e contratos públicos, o Sistema de Registro de Preços, realizado por meio da ferramenta das Atas de Registro de Preços, é amplamente utilizado no serviço público há décadas, e pode ser considerado um dos mais inteligentes procedimentos auxiliares das contratações na administração pública.
No entanto, o aumento no número de contratações realizadas por meio das Atas de forma não criteriosas passou a acender o alerta sobre falhas de planejamento, quantitativos superestimados, inadequação do Sistema de Registro de Preços às características do objeto pretendido e possíveis irregularidades em adesões a atas de registros de preços.
Órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), já iniciaram fiscalização para verificar indícios de que a modalidade está sendo usada fora dos limites legais. Entidades como a Atricon, CNPTC, Abracom e Audicon já emitiram uma Nota Recomendatória para que os Tribunais de Contas brasileiros adotem ou ampliem os procedimentos de fiscalização das adesões às atas de registro de preços, por parte dos órgãos e entidades jurisdicionadas.
Em todo país, diversas operações já foram deflagradas para investigar também esquemas de fraudes nas Atas. Em especial, casos de ‘corretores’ que oferecem propina a gestores públicos, em troca de adesões às chamadas atas de registro de preços.
Segundo o TCU, no ano de 2024, a utilização do Sistema de Registro de Preços atingiu 32% do total de contratações registradas no Portal Nacional das Contratações Públicas (PNCP), totalizando o montante de R$ 531 bilhões contratados pela administração pública. A relevância do procedimento, já sedimentado na prática administrativa, foi ainda mais ampliada com a Lei 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos.
O Sistema de Registro de Preços é um instrumento que traz diversas vantagens para a gestão das contratações públicas. Reduz a burocracia, possibilita ganhos de escala, o atendimento a necessidades de mais de um órgão ou entidade, a contratação adequada às demandas variáveis. Mas é importante ressaltar que o desvirtuamento no seu uso é algo que precisa ser combatido com rigor.
Entenda
A Ata de Registro de Preços é uma espécie de cadastro para as compras públicas, uma referência de preços que ajuda as licitações. Ela pode ser de um órgão municipal, estadual ou federal. Na ata, é especificado um produto ou serviço que o poder público pode comprar ou contratar. Ela contém informações como os preços, as especificações e quantidades; o fornecedor; o órgão que gerencia a ata, os participantes e as condições gerais, como prazos para entrega.
A modalidade permite registrar fornecedores e valores para futuras aquisições de bens e serviços, sem a necessidade de compromisso imediato. Após o registro de um preço aferido em concorrência aberta por um órgão, os demais podem optar por aderir a essa ata. Por isso, é o caminho mais rápido.
É possível conseguir agilidade no processo de aquisição, quando um órgão público pega carona na ata de uma licitação feita por outro, seguindo os preços que o fornecedor cadastrou na ata. Para isso, precisa comprovar a chamada “vantajosidade” da adesão — isto é, mostrar que é viável e econômico fazer a compra pelos valores estipulados. Contudo, isso não pode ser feito em diversas situações previstas em lei.
Um dos cuidados a serem observados pelos órgãos públicos é que não pode haver o uso indiscriminado do carona entre municípios em situações, Estados e realidades completamente distintas. Por isso, destaca que a adesão indiscriminada a essas atas pode levar à aquisição de produtos de qualidade inferior e prejudicar a gestão pública.
Consórcios
Na realidade dos consórcios públicos, o secretário de Controle Externo de Negócios Governamentais do TCE-ES, Marcelo Nogueira, alerta para que haja um uso adequado do Registro de Preços. Tendo em vista que os consórcios públicos podem realizar contratações públicas compartilhadas, eles também devem seguir as regras relativas à governança nas contratações públicas, tidas como essenciais e obrigatórias pela Lei de Licitações.
Em recente procedimento fiscalizatório, realizado pela área técnica do TCE-ES, foram verificadas falhas, devido à ausência de:
– Documentos de formalização de demanda, os quais deveriam ter sido elaborados pelos Consorciados, evidenciando suas necessidades, demandas e problemas a serem resolvidos por meio de contratações públicas;
– Estudos Técnicos Preliminares pelos Consorciados, apontando mediante justificativas, qual a solução mais vantajosa oferecida pelo mercado para atender suas necessidades/demandas/problemas;
– Levantamento, realizado pelo Consórcio Público, das demandas, e respectivas soluções, apresentadas formalmente pelos Consorciados, com o objetivo de agrupar àquelas que compartilham mesmo objeto.
– Justificativas Técnicas, consignadas no Termo de Referência e/ou projetos técnicos quanto à corriqueira aglutinação indevida de itens nas licitações. Entende-se que a regra é o parcelamento, principalmente considerando estarmos tratando de compras compartilhadas, onde os consorciados podem, por exemplo, contratar apenas um item para atender demanda específica;
– Gestão de Riscos, a serem realizadas por ambos os atores, Consórcio e Consorciados.
De acordo com Nogueira, é necessário ter em mente que cada Ente Público possui suas especificidades e que a solução adotada por um, não necessariamente será a solução mais vantajosa para outro. Para evitar equívocos administrativos, também é fundamental diferenciar as compras compartilhadas dos contratos de programa.
Ele detalha que enquanto as compras compartilhadas focam na aquisição eficiente de insumos, os contratos de programa se referem à própria gestão e execução de serviços públicos de forma colaborativa.
“Os Consórcios Públicos possuem um papel relevante na busca por maior vantajosidade nas contratações dos Entes Públicos consorciados, porém não podemos esquecer que a atuação dos Consórcios na cadeia produtiva de licitações e contratos administrativos é limitada, ou seja, não deveria definir a demanda, nem a solução a ser adotada, tampouco seria responsável pela boa execução contratual, atividades estas de responsabilidade dos Municípios consorciados”, frisa.
Adicionalmente, a Nota recomendatória da Atricon e demais entidades esclareceu que a adesão a ata de um consórcio público por outro consórcio público é permitida exclusivamente para consumo próprio, não sendo aplicável a extensão da adesão aos órgãos e entidades consorciadas.
Engenharia
O instrumento de Registro de Preços foi ampliado na Lei 14.133/2021 para abarcar também obras e serviços de engenharia. Além dos requisitos gerais, a sua utilização, nesses casos, pressupõe o atendimento a dois requisitos específicos, que são: a existência de projeto padronizado, sem complexidade técnica e operacional, e a necessidade permanente ou frequente da obra ou serviço a ser contratado.
Desta forma, é preciso ser feito o alerta para que Atas de Registro de Preços sejam utilizadas apenas para obras e serviços de engenharia padronizáveis e replicáveis, e não para a celebração de “contrato guarda-chuva” sem elaboração prévia de projetos básicos ou termos de referência.
Também é necessário que a demanda não se esgote em uma única contratação, pois se a necessidade é certa e imediata, e se exaure mediante única contratação, o segundo requisito legal não será atendido e o caminho será a licitação convencional, sem a utilização do registro de preços.
No TCE-ES, está em andamento o Processo 1300/2024, no qual foi proposto um incidente de prejulgado para interpretação jurídica do uso do Sistema de Registro de Preços (SRP) para obras e serviços de engenharia.
O Ministério Público de Contas já se posicionou sobre o tema, para reforçar a interpretação do tribunal no sentido de que:
- Não é possível a utilização do SRP para objetos que apresentem complexidade, com destaque para projetos de engenharia;
- Não é adequada a utilização do SRP para objetos caracterizados pela heterogeneidade, particularmente projetos de engenharia;
- Ao optar pelo SRP, a Administração deve separar os objetos que realmente se amoldam a esse instrumento auxiliar daqueles que exigem planejamento e contratação específicos;
- Não é viável o uso do SRP para objetos não padronizáveis e não repetitivos, como reformas e ampliações de edificações.
Também está em análise no TCE-ES o processo 9947/2024, no qual se discute o uso inadequado do SRP para serviços contínuos com quantidades previsíveis.
A secretária de Controle Externo de Infraestrutura e Desenvolvimento Sustentável do TCE-ES, Flávia Holz, pontua que discussão posta é relevante porque são muitos os riscos trazidos pela má utilização do Regime de Preços.
“A utilização inadequada do Sistema de Registro de Preços representa dois prejuízos significativos para a Administração Pública. O primeiro se refere a não conseguir prover para população aquela obra ou serviço de engenharia com qualidade e segurança imprescindíveis para atender adequadamente sua necessidade. O segundo, por consequência, é perder a oportunidade de ampliar cada vez mais a utilização deste valioso procedimento de contratação, por se optar em instrumentalizá-lo de maneira indevida.”
Para os entrevistados, havendo um uso mais responsável, consciente e transparente das Atas de Registro de Preços, cuja relevância, já sedimentada, foi ainda mais ampliada com a nova legislação, todos serão beneficiados com o ganho de eficiência e de escala que a ferramenta, se bem aplicada, é capaz de gerar.
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