
Investir em políticas públicas que atendam gestantes, bebês, crianças e suas famílias é a forma mais eficaz de romper barreiras de desigualdade, quebrar ciclos de pobreza que passam de geração em geração, prevenir diferentes formas de violências e impulsionar o desenvolvimento de todo o país. A ciência comprova que uma primeira infância saudável impacta nas condições de saúde, construção de vínculos afetivos, trajetória escolar e acadêmica e até nas oportunidades de trabalho na vida adulta.
Neste Agosto Verde, mês de conscientização da sociedade sobre a importância da atenção integral à Primeira Infância, o TCE-ES alerta os gestores públicos de que as políticas públicas voltadas à infância façam parte de uma agenda prioritária dos governos, buscando o desenvolvimento integral das crianças.
Isso porque as crianças com menos oportunidades para o seu pleno desenvolvimento necessitam de políticas públicas que reduzam as desigualdades e ofereçam apoios sólidos para que elas prosperem e atinjam todo o seu potencial quando adultas.
O pesquisador James Heckman comprovou que, a cada US$ 1 aplicado na primeira infância, US$ 7 retornam para a sociedade, constatação que lhe rendeu o prêmio Nobel de Economia em 2000. Mais recentemente, em uma pesquisa publicada em 2021, Heckman mostrou que, aos 54 anos, indivíduos que tiveram educação pré-escolar de qualidade superaram em cerca de 80% seus pares em saúde e indicadores sociais — e ganhavam, em média, US$ 10 mil a mais por ano.
O Brasil ainda é um dos países com a maior desigualdade de renda do mundo. Esse problema, especialmente quanto às desigualdades socioeconômicas, educacionais e de saúde, pode privar muitas crianças de seus direitos fundamentais, limitar a capacidade de usufruí-los e restringir seus potenciais de desenvolvimento.
Dados
No Espírito Santo, de acordo com o Censo de 2022, há 340.285 crianças com idade entre 0 e 6 anos, o que representa 8,8% da população. Entre elas, 65,29% (222 mil) estão inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Dentre as inscritas, 162 mil crianças são beneficiárias do Programa Bolsa Família.
Dados do Portal “Primeira Infância Primeiro”, iniciativa da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal para gestores públicos, traz outras informações sobre as consequências das desigualdades socioeconômicas sofridas pelas crianças pequenas.
Em 2024, o aleitamento materno para crianças menores de 6 meses de idade no Espírito Santo ficou em 58,67%. Também foi observado que 2,66% das crianças de 0 a 5 anos tinham peso baixo, e 7,55% estavam com peso elevado, de acordo com o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional.
Outra questão importante é quanto à parentalidade. Em 2024, 3.126 crianças (6,14%) receberam registros de nascimento somente em nome da mãe.
E em relação à segurança e proteção, o Estado tem registrado um aumento nas notificações de casos de violência contra crianças de 0 a 4 anos. Os registros, que ficaram na média entre 300 a 500, de 2016 a 2021, dispararam para 964 em 2022, e 1.393 em 2023. Esse é o número de atendimentos médicos de crianças que tiveram como causa um ato violento.
Isso demonstra a necessidade de políticas públicas específicas, visto que entre os grandes auxiliares na tarefa de identificar riscos de violência estão os professores de creches e pré-escolas e as equipes do programa Estratégia Saúde da Família (ESF) ou outros programas sociais.
Em relação aos principais dados de saúde, o Estado registrou em 2023 51,7 mil nascidos vivos, e um índice de mortalidade infantil de 10,79 óbitos para cada 1000 nascidos vivos. Entre eles, 65,5% foram por causas evitáveis, de acordo com o Datasus, sendo 57,4% foram de crianças pardas, e 26% de raça branca.
Outro indicador que demonstra a desigualdade pela cor da pele é o número de partos de mães adolescentes (até 19 anos). Em 2023, 72% foram de adolescentes pardas no ES, enquanto 14% foram de brancas e 10,8% de pretas. Em 2023, 9,3% dos nascimentos foram registrados como baixo peso, sendo 68% de bebês de cor parda.
No campo da educação, o Portal elaborou um Índice de Necessidade de Creche, que identifica a parcela da população de 0 a 3 anos que mais precisa da creche, considerando critérios de priorização que se refletem na sua fórmula. No Espírito Santo, o índice de necessidade de creche em 2023 foi de 43,59%, sendo formado, majoritariamente, por crianças com mães que se tornariam economicamente ativos se tivessem acesso à creche; crianças em situação de pobreza; crianças de famílias monoparentais e crianças com deficiência.
Em 2023, o percentual de atendimento em creches da população de 0 a 3 anos foi de 36%, e de 4 a 5 anos foi de 97%.
Políticas
No entanto, não é apenas o acesso à educação que conta. Uma pesquisa da Agência Internacional para a Prevenção da Cegueira (IAPB) estimou, por exemplo, o efeito de fornecer óculos a crianças com problemas de visão a partir dos cinco anos. Sem o objeto, as crianças até frequentam a escola, mas não aprendem devidamente. O resultado não deixa dúvidas: aquelas que recebem os óculos têm, ao longo da vida, uma renda, em média, 78% superior às que precisavam e não receberam.
Outra questão é o saneamento básico. Um estudo encomendado pelo Instituto Trata Brasil identificou atrasos no aprendizado ligados às faltas de esgoto, água tratada e banheiro. O atraso na aprendizagem, que acaba nunca reposto, acontece porque, em locais sem saneamento, a população sofre muito mais com a incidência das chamadas doenças de veiculação hídrica, o que derruba a frequência nas creches, pré-escolas, escolas e outras atividades.
Desta forma, os dados sobre falta de óculos ou de saneamento comprovam que questões sociais, econômicas, de saúde e de educação estão profundamente interligadas quando se trata do bem-estar na primeira infância. Não adianta ter vaga na creche e sofrer violência doméstica. Ou ter Bolsa Família e não conseguir atendimento de saúde.
Por isso, o TCE-ES reafirma que os gestores públicos precisam pensar numa estratégia ampla em que todas as crianças se desenvolvam na primeira infância a fim de adquirirem as bases necessárias para aproveitar as oportunidades futuras.
A secretária de controle externo de Políticas Públicas e Sociais do TCE-ES, Cláudia Matiello, reafirma que o tribunal tem o tema da primeira infância como uma de suas prioridades nas políticas públicas avaliadas.
“Em 2023, realizamos uma auditoria para verificar a governança dessa política no Espírito Santo — ou seja, como os gestores organizam, planejam e coordenam ações, recursos e responsabilidades para garantir o atendimento integral às crianças. Identificamos que muito ainda precisa ser feito: a maior parte dos municípios não possui Plano Municipal pela Primeira Infância e ainda são frequentes problemas como baixa priorização do tema e ausência de orçamento específico para a área. Entendemos que planos bem elaborados e executados são fundamentais para direcionar recursos e ações, garantindo que as políticas públicas cheguem, de fato, a todas as crianças”, ressaltou.
A secretária pontua que o tribunal segue atuando, monitorando e ampliando as iniciativas nessa pauta, seja por meio de ações de orientação, como o curso oferecido no Enfoc aos municípios, ou por novas fiscalizações — a exemplo da mais recente, em que verificamos a efetividade das visitas domiciliares realizadas em dois programas essenciais para a primeira infância: o Criança Feliz e a Estratégia Saúde da Família.
“Nosso objetivo é que, com o esforço conjunto de gestores estaduais e municipais, possamos avançar na construção de políticas públicas sólidas, integradas e duradouras, capazes de garantir a cada criança o direito de se desenvolver plenamente e de ter um futuro com mais oportunidades”, conclui Cláudia.
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