
Confira abaixo a íntegra do artigo de autoria da auditora do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES), Luana Sampaio, publicado no Jornal Estadão.
O preço econômico da crise institucional brasileira
Mais um ex-presidente brasileiro acordou com a Polícia Federal batendo à porta. Recentemente, jornais de todo o País noticiaram buscas e apreensões na residência de Jair Bolsonaro. O fato chama a atenção não pela surpresa, mas pela recorrência. Dos cinco presidentes eleitos após a Constituição de 1988, quatro foram punidos. Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva foram presos, Dilma Rousseff sofreu impeachment, Bolsonaro enfrenta uma avalanche de investigações. Apenas Fernando Henrique Cardoso escapou ileso.
Seria isso sinal de uma justiça eficiente numa democracia saudável? Ou seria uma evidência de um sistema político em crise permanente, incapaz de garantir estabilidade e prosperidade?
Durante meu mestrado na George Washington University, em Washington D.C., notei uma percepção recorrente sobre o Brasil: não somos reconhecidos como uma democracia sólida. O País é visto como um sistema institucional instável, que flerta com regimes autoritários. O Judiciário interfere em tudo, a política é hiperjudicializada e os investidores estrangeiros hesitam em confiar seus recursos num território sem segurança jurídica – e, consequentemente, sem segurança econômica.
O problema brasileiro não se limita à inflação, ao câmbio, à burocracia ou à carga tributária. O maior temor é a instabilidade institucional. É dela que derivam contratos suspensos sem aviso prévio, negócios desfeitos por decisões judiciais inesperadas e, como consequência direta, graves abalos econômicos.
Não por acaso, até Donald Trump já usou a instabilidade política brasileira para justificar sanções comerciais. Embora ele próprio seja exemplo de populismo sem freios, sua crítica revela uma verdade desconfortável: o Brasil é visto como uma democracia disfuncional e sua crise política tem efeitos econômicos concretos.
O símbolo mais evidente dessa disfunção é o Supremo Tribunal Federal (STF). Nenhuma outra instituição detém tanto poder sobre os rumos do País. O STF decide tudo: de impostos a aposentadorias, de política econômica a processos eleitorais. Para ilustrar: enquanto a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou pouco mais de 60 casos em 2024, o Supremo Tribunal brasileiro analisou mais de 7.700 em sessões colegiadas.
O Supremo Tribunal Federal não é apenas uma Corte Constitucional – é tribunal de apelação, instância originária para julgar políticos e a última palavra em quase todas as disputas relevantes da sociedade. Nos Estados Unidos, chegar à Suprema Corte é raro e reservado a temas de altíssimo interesse público. No Brasil, a porta é larga: quase tudo termina no Supremo.
Essa hipertrofia do STF é fruto direto da desconfiança estrutural nas instituições políticas. O Judiciário tornou-se o último bastião de esperança nacional. Os resultados são um Judiciário sobrecarregado, uma democracia desequilibrada e uma economia paralisada pela insegurança jurídica.
Mais um ex-presidente brasileiro acordou com a Polícia Federal batendo à porta. Recentemente, jornais de todo o País noticiaram buscas e apreensões na residência de Jair Bolsonaro. O fato chama a atenção não pela surpresa, mas pela recorrência. Dos cinco presidentes eleitos após a Constituição de 1988, quatro foram punidos. Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva foram presos, Dilma Rousseff sofreu impeachment, Bolsonaro enfrenta uma avalanche de investigações. Apenas Fernando Henrique Cardoso escapou ileso.
Seria isso sinal de uma justiça eficiente numa democracia saudável? Ou seria uma evidência de um sistema político em crise permanente, incapaz de garantir estabilidade e prosperidade?
Durante meu mestrado na George Washington University, em Washington D.C., notei uma percepção recorrente sobre o Brasil: não somos reconhecidos como uma democracia sólida. O País é visto como um sistema institucional instável, que flerta com regimes autoritários. O Judiciário interfere em tudo, a política é hiperjudicializada e os investidores estrangeiros hesitam em confiar seus recursos num território sem segurança jurídica – e, consequentemente, sem segurança econômica.
O problema brasileiro não se limita à inflação, ao câmbio, à burocracia ou à carga tributária. O maior temor é a instabilidade institucional. É dela que derivam contratos suspensos sem aviso prévio, negócios desfeitos por decisões judiciais inesperadas e, como consequência direta, graves abalos econômicos.
Não por acaso, até Donald Trump já usou a instabilidade política brasileira para justificar sanções comerciais. Embora ele próprio seja exemplo de populismo sem freios, sua crítica revela uma verdade desconfortável: o Brasil é visto como uma democracia disfuncional e sua crise política tem efeitos econômicos concretos.
O símbolo mais evidente dessa disfunção é o Supremo Tribunal Federal (STF). Nenhuma outra instituição detém tanto poder sobre os rumos do País. O STF decide tudo: de impostos a aposentadorias, de política econômica a processos eleitorais. Para ilustrar: enquanto a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou pouco mais de 60 casos em 2024, o Supremo Tribunal brasileiro analisou mais de 7.700 em sessões colegiadas.
O Supremo Tribunal Federal não é apenas uma Corte Constitucional – é tribunal de apelação, instância originária para julgar políticos e a última palavra em quase todas as disputas relevantes da sociedade. Nos Estados Unidos, chegar à Suprema Corte é raro e reservado a temas de altíssimo interesse público. No Brasil, a porta é larga: quase tudo termina no Supremo.
Essa hipertrofia do STF é fruto direto da desconfiança estrutural nas instituições políticas. O Judiciário tornou-se o último bastião de esperança nacional. Os resultados são um Judiciário sobrecarregado, uma democracia desequilibrada e uma economia paralisada pela insegurança jurídica.
Mas o problema é mais profundo. A democracia brasileira chegou com a Constituição de 1988, mas o sentimento de cidadania não foi incorporado pela sociedade.
O brasileiro médio não se sente cidadão. O governo é visto como algo distante, alheio à vida cotidiana. As escolas públicas e privadas falham em formar cidadãos. Crianças não aprendem o que faz um vereador, um prefeito, um deputado. Não enxergam a política como ferramenta legítima de transformação da sociedade. Não reconhecem que o dinheiro e os bens públicos também lhes pertencem.
Falta senso de pertencimento, responsabilidade coletiva e consciência cidadã. Como disse Nelson Mandela, inspirando a filosofia ubuntu: “Sou porque somos”.
Em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, é diferente. A escola pública é o centro da comunidade, espaço de formação cidadã. Hannah Arendt destacava que é a escola que transforma crianças em cidadãos e sustenta a base da democracia americana. No Brasil, ignoramos a formação política. Educamos para o mercado de trabalho, não para a vida em sociedade.
O resultado é um povo que vê a política como “coisa de bandido”, entrega tudo ao Judiciário e se distancia do Estado. Tornamo-nos uma sociedade judicializada, infantilizada e descrente.
Seguimos colecionando presidentes destituídos, ministros hipertrofiados e uma população à deriva – ora paralisada, ora indignada. O preço é alto: insegurança econômica, fuga de investimentos e oportunidades desperdiçadas.
O Brasil não precisa apenas punir políticos. Precisa formar cidadãos. Precisa reconstruir suas instituições, devolver protagonismo ao Legislativo, garantir que o Executivo governe e resgatar o papel essencial do Judiciário: julgar, não governar.
Ou reformamos a democracia pela base – com educação cidadã, participação social e fortalecimento institucional – ou seguiremos exportando crises e importando fracassos econômicos.
Opinião por Luana Ramos Sampaio
Advogada internacional, auditora do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, pesquisadora em cidadania, escritora, é mestra em Direito na Universidade Federal do Espírito Santo e na George Washington University (EUA)
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