
A 1ª Câmara do TCE-ES entendeu que o concurso público realizado pela Prefeitura de Nova Venécia em 2023 para provimento de cargos do quadro de pessoal e formação de cadastro de reserva de 126 cargos descumpriu requisitos legais. É papel do tribunal analisar os concursos públicos para verificar sua regularidade e legalidade, para que os atos de admissão de pessoal deles decorrentes possam ser registrados.
No caso deste concurso, a 1ª Câmara concluiu que ocorreram duas irregularidades graves, devido à vedação ao uso de tecnologias assistivas no teste de aptidão física por candidatos com deficiência e à discriminação injustificada por gênero.
Por isso, decidiu determinar à Prefeitura de Nova Venécia que até o dia 20 de junho de 2026 adote uma das medidas para correção. Uma das possibilidades é realizar a anulação parcial do concurso público, especificamente no que diz respeito aos cargos de trabalhador braçal feminino, trabalhador braçal masculino, cuidador feminino e cuidador masculino, com a consequente impossibilidade de nomeação de qualquer candidato a tais cargos.
A outra medida que pode ser tomada é promover a reunião dos classificados do gênero masculino e feminino em uma lista de classificação única – por cargo e quadro –, independentemente de gênero, e realizar uma nova homologação do concurso especificamente para os cargos de trabalhador braçal e cuidador, precedidas da aprovação de lei municipal que tenha alterado os anexos I e III da Lei Municipal 2.025/1994 e promovido a extinção da separação dos cargos de trabalhador braçal e cuidador em masculino e feminino. Nesta hipótese, será permitido o aproveitamento do certame e a nomeação de acordo com a ordem de classificação estampada no novo resultado homologado.
A decisão ocorreu na sessão da 1ª Câmara do dia 16, conforme o voto do relator, Donato Volkers. Em setembro de 2024, o tribunal já havia determinado, em uma medida cautelar, que a prefeitura não nomeasse os candidatos aprovados no concurso público de 2023 para os cargos de trabalhador braçal feminino, trabalhador braçal masculino, cuidador feminino e cuidador masculino até que houvesse a apreciação final do processo em que a Corte analisa a regularidade do edital.
As irregularidades
Na análise realizada pela área técnica ao examinar a legalidade do edital, a equipe apontou que no caso dos cargos de guarda municipal, um dos itens do edital vedava qualquer tratamento diferenciado, inclusive decorrente de deficiências, e assim, era negado o emprego de tecnologias assistivas que alguns candidatos deficientes necessitam para realizarem o teste de aptidão física (TAF).
Adicionalmente, a equipe técnica registrou que a necessidade de submissão dos candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios na prova física deveria ser demonstrada e a possibilidade de se conceber a adaptação razoável do teste físico.
Segundo o relator, examinando o edital, ao prever a reserva de 5% das vagas para PCD, a prefeitura não ressalvou o cargo de guarda civil municipal, que também estava na disputa. Logo, infere-se que a municipalidade entendeu que existem deficiências cujas limitações não impedem o exercício das atribuições desse cargo.
“O edital é omisso em relação à possibilidade de uso, no TAF, de tecnologias assistivas que o candidato com deficiência já utilize, sem a necessidade de adaptações adicionais. Ante tal omissão, aliada à ausência de regulamentação municipal sobre a questão e à expressa previsão de que não poderá ser concedido qualquer tratamento diferenciado a nenhum candidato, sejam quais forem as circunstâncias alegadas, inclusive em decorrência de deficiências ou outras situações que impossibilitem, diminuam ou limitem a capacidade física e/ou orgânica do candidato, conclui-se que a Prefeitura vedou inclusive o uso de tecnologias assistivas que o candidato PcD já utilize, sem a necessidade de adaptações adicionais, com violação a leis e à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD)”, esclareceu o relator.
“Na medida em que gera empecilhos a que as pessoas com deficiência possam exercer os seus direitos, tal omissão é considerada discriminatória à luz do CDPD, viola disposições da Constituição, e constitui irregularidade grave. Dessa maneira, o Tribunal deve se pronunciar pelo descumprimento dos requisitos legais”, concluiu o Volkers.
Quanto a essa irregularidade, não foram feitas determinações para a adoção de medidas cabíveis para regularizar a situação do concurso, pois o edital não prejudicou, de forma direta, nenhum candidato PcD. Isso porque houve quatro candidatos ao cargo de guarda civil municipal com inscrição deferida, mas nenhum deles alcançou a nota mínima da prova objetiva para ser habilitado e convocado para o teste de aptidão física. Assim, o item do edital que dispôs sobre a indevida vedação ao uso de tecnologias assistivas que o candidato PcD já utilize, sem a necessidade de adaptações adicionais, não chegou a ser aplicado.
Discriminação de gênero
A segunda irregularidade observada no edital do concurso foi que a prefeitura promoveu concurso público para o preenchimento dos cargos de trabalhador braçal feminino, trabalhador braçal masculino, cuidador feminino e cuidador masculino.
Ocorre que as atribuições dos cargos de cuidador masculino e feminino são idênticas. Também são iguais as atribuições dos cargos de trabalhador braçal masculino e feminino. E conforme as normas constitucionais, é vedada a discriminação por gênero na admissão de servidor público.
Ao examinar o caso, verificou-se que a divisão dos cargos de trabalhador braçal e cuidador por gênero se deu por força da Lei Municipal 3.548, de 16 de abril de 2020. Em consequência, o TCE-ES realizou um incidente de inconstitucionalidade para apreciar a aplicação da norma, e entendeu que ela não deve ser aplicável.
Desta forma, concluiu-se que a promoção de concurso público para o preenchimento dos cargos de trabalhador braçal feminino, trabalhador braçal masculino, cuidador feminino e cuidador masculino configura discriminação injustificada por gênero, não está em conformidade com a ordem jurídica e constitui irregularidade grave, de acordo com o relator.
Ele acrescentou que, além de se pronunciar pelo descumprimento dos requisitos legais, o TCE-ES deve determinar a adoção das medidas cabíveis. Tendo em vista que a nomeação de candidatos aprovados para esses cargos ficou suspensa, após a medida cautelar do TCE-ES, para que haja a regularização da situação do concurso, será necessário adotar algumas medidas.
Alternativamente, ou reunir os classificados do gênero masculino e feminino em uma lista de classificação única – naturalmente, para cada cargo e quadro –, independentemente de gênero, e realizar nova homologação do concurso especificamente para os cargos de trabalhador braçal e cuidador, desde que precedida da devida adequação legislativa, ou fazer a anulação parcial do concurso público especificamente no que concerne a esses cargos. “Essas seriam condições para que a regularização da situação do concurso ocorresse de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais”, frisou Volkers, no voto.
Recomendações
Ainda, o TCE-ES emitiu recomendações ao prefeito de Nova Venécia para que crie regulamentações para impedir que as irregularidades se repitam. Segundo o Tribunal, é necessário criar normas que:
– Garantam a possibilidade de uso, em provas físicas, de tecnologias assistivas que sejam compatíveis com o adequado exercício das atribuições do cargo em disputa e que o candidato com deficiência já utilize, sem a necessidade de adaptações adicionais, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência do cargo ou emprego público;
– Definam, ainda que em rol exemplificativo, as tecnologias assistivas que sejam compatíveis e incompatíveis com as atribuições dos cargos ou empregos públicos específicos, existentes nos quadros do município, para cuja admissão se exige a aprovação em teste de avaliação física;
– Estabeleçam o procedimento de verificação da compatibilidade das tecnologias assistivas com as atribuições dos cargos ou empregos públicos, a ser observado em editais de concursos públicos e processos seletivos; e
– Garantam a expressa previsão da possibilidade de solicitação de remarcação do teste de aptidão física de candidata aprovada nas provas escritas que esteja grávida à época de sua realização, nos futuros editais de concurso público para o provimento de cargo que exijam a aprovação no teste.
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