
Em Parecer Consulta formulado pelo prefeito de Castelo, João Paulo Silva Nali, os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) esclareceram que o Sistema de Registro de Preços (SRP) não se mostra compatível para a contratação de serviços de transporte e destinação final de resíduos sólidos urbanos. A decisão unânime foi tomada na última sessão plenária, realizada dia 25.
No questionamento apresentado à Corte de Contas, o prefeito levantou dois pontos:
– É aplicável a modalidade licitatória de ata de registro de preço para fins de transporte de local lixo/entulho entre o transbordo (local fixo) e o local de destinação final, tendo como parâmetros os quilômetros percorridos e o peso?
– É aplicável a modalidade licitatória de ata de registro de preço para fins de recebimento de lixo em aterro sanitário, tendo como parâmetros o peso e/ou volume?
Em sua resposta, o relator do processo, conselheiro Luiz Carlos Ciciliotti, destacou que o objeto da consulta ainda apresenta uma visão tradicional da gestão e manejo de resíduos sólidos. Essa visão é fixada em três pontos principais: recolher, transportar e aterrar os resíduos sólidos.
“Embora não seja a visão que deveria ser adotada como padrão nos dias de hoje, ainda é, infelizmente, uma visão predominante no Brasil”, pondera Ciciliotti. Ele também ressaltou que o Brasil ainda carece de políticas públicas eficazes voltadas à educação ambiental.
Ao abordar boas práticas, Ciciliotti citou exemplos do Governo do Paraná, da prefeitura de Curitiba, de outros países e grandes empresas, destacando que o tratamento de resíduos sólidos vai muito além das 3 etapas históricas.
Desafio
Para o relator, o grande desafio para os municípios, enquanto titulares dos serviços de manejo de resíduos sólidos é a mudança do atual modelo de gestão de resíduos, que se baseia no aterramento, para um modelo que vise coleta seletiva, a reciclagem, o reaproveitamento dos resíduos sólidos e a inclusão social dos trabalhadores, como os catadores que trabalham com a reciclagem.
“Cabe ao Tribunal de Contas, como instituição, atuar para aprimorar as políticas públicas de forma a conscientizar e orientar os jurisdicionados para que os municípios do Espírito Santo adotem modelo de gestão de resíduos sólidos coerente com o cenário atual e com a legislação pertinente”, apontou.
Assim, muito mais do que coletar, transportar e aterrar os resíduos sólidos, é preciso investir em reciclagem, compostagem, tratamento dos resíduos perigosos e dos não compostáveis ou recicláveis, produção e utilização de biogás, por exemplo.” Enfim, é dever do Tribunal de Contas atuar para o aperfeiçoamento da gestão de resíduos sólidos”, afirmou.
Análise
Segundo o relator, seguido pelos demais conselheiros, a utilização do sistema de registro de preço para a gestão de resíduos sólidos no município soa como uma simplificação inadequada da gestão responsável e adequada e destoa das metas estabelecidas e da legislação vertente.
Isso porque a ata de registro de preços tem prazo de vigência de até um ano, prorrogável por igual período, desde que comprovada a vantajosidade, sendo, portanto, instrumento associado, como regra, a contratações de curto prazo, não contínuas e de menor complexidade.
A Lei de Licitações e Contratos (14.133/2021), em seus artigos 106, inciso I e 107 autoriza que contratos de prestação de serviços contínuos tenham duração de até 5 anos, podendo ser prorrogados e alcançar 10 anos, alternativa que seria mais viável para esse tipo de serviço.
Resposta
Dessa forma, os conselheiros votaram por responder à Consulta nos seguintes termos:
O Sistema de Registro de Preços (SRP) não se mostra compatível com a contratação de serviços de transporte e destinação final de resíduos sólidos urbanos, uma vez que tais atividades constituem serviço público essencial, de natureza contínua e com demanda previsível e permanente, não se enquadrando, portanto, na lógica de aquisições eventuais e incertas que justifica a adoção do SRP (art. 82, §1º, da Lei nº 14.133/2021).
A formulação da consulta, ao restringir-se ao transporte do transbordo diretamente ao aterro sanitário e ao próprio aterramento, reduz a gestão de resíduos a um modelo incompatível com a legislação ambiental vigente, em especial a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (Lei nº 12.305/2010, arts. 7º e 9º) e o Plano Nacional de Resíduos Sólidos – Planares (Decreto nº 11.043/2022), que impõem aos municípios a obrigação de estruturar um sistema integrado, planejado e sustentável.
O transporte a partir dos pontos de transbordo deve contemplar destinos múltiplos, tais como compostagem, reciclagem, logística reversa e coprocessamento para geração de energia, além de assegurar o tratamento prévio dos rejeitos não recicláveis ou compostáveis antes do aterramento. Cumpre ressaltar que resíduos perigosos demandam tratamento específico e adequado, de modo a mitigar riscos à saúde e ao meio ambiente. O aterramento deve figurar sempre como última alternativa, conforme a ordem de prioridade estabelecida no art. 9º da PNRS.
À luz do art. 20 da LINDB, é imprescindível que a decisão considere os efeitos práticos da contratação. A adoção do SRP, ao simplificar a gestão de resíduos sólidos a uma lógica de demanda eventual, poderia implicar em descontinuidade do transporte de resíduos sólidos, ineficiência na destinação e agravamento da degradação ambiental, em afronta ao dever constitucional de proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CF/88).
Nos termos do art. 22 da LINDB, ainda que se reconheçam as dificuldades reais enfrentadas pelos gestores municipais, deve-se assegurar que as soluções administrativas não fragilizem as políticas públicas de saneamento básico e gestão integrada de resíduos sólidos, nem comprometam as metas estabelecidas pelo Planares para os municípios do Estado do Espírito Santo.
Diante disso, é recomendável que os municípios optem por contratações estáveis e duradouras, na forma do art. 106 da Lei nº 14.133/2021, que garantam continuidade, segurança jurídica, economicidade e alinhamento às metas ambientais, evitando que a gestão de resíduos sólidos seja reduzida a um mero ciclo de coleta, transporte e aterramento, em flagrante desacordo com a PNRS, com o Planares, com a LINDB e, sobretudo, com o dever constitucional de defesa do meio ambiente em benefício das presentes e futuras gerações.
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